24 maio Siviero é o pianista convidado a realizar recital fechado para Papa Bento XVI
Tive a oportunidade de estar com o Papa Bento XVI, de modo muito próximo, por seis vezes. A primeira dessas vezes ocorreu já no momento de sua chegada ao Seminário Bom Jesus, em Aparecida. Estávamos lá um grupo bastante reduzido de pessoas, situados à entrada principal do seminário, para dar ao Santo Padre as boas vindas. Foi um momento muito caloroso em que o olhar de doação e carinho do Papa, unido ao seu sorriso contínuo, nos transmitiu tremenda segurança e a consciência imediata de ser absolutamente desnecessário qualquer tipo de postura tensa, um pouco “durinha”. Ao contrário, os seus movimentos tranqüilos e serenos, de paizão, nos deixaram muito à vontade. Surpreendeu-me seu olhar firme, profundo e acolhedor. Era possível ver Deus através dele…
No dia seguinte, bem cedo, tive a oportunidade de conversar com ele, de lhe dizer que era pianista. Na realidade, fui apresentado por uma pessoa que disse que eu era pianista. Emocionou-me verificar que, enquanto eu segurava as suas mãos manifestando-lhe a minha alegria pela minha profissão, ele correspondia com seu olhar de aprovação. Poucas horas mais tarde, estaria iniciando o recital para ele, onde novamente pude conversar com ele…
Em todas essas ocasiões sentia-me a única pessoa do mundo a quem o Papa devotava toda a sua atenção. Um sentimento muito difícil de se explicar.
Como é o Santo Padre longe das multidões?
Exatamente como o é diante delas. É um homem de uma peça só. Acho que é por isso que ele é tão simples. Explicaram-me que a palavra “dobra”, no radical latino, é “plica”. Uma pessoa “sine plica”, sem dobras, é uma pessoa simples, desabrida, honesta. Vi tudo isso meio misturado na pessoa dele. Fiquei impressionado.
Vi que o Papa é humano, que é um homem que se interessa não somente por questões espirituais, teológicas, eclesiais. É gente! Apesar da sua estatura intelectual e humana, ele cria vínculos com as pessoas se interessando pelo outro precisamente no aspecto onde ele percebe que esses vínculos poderão se tornar mais estreitos. É uma oferta de amizade muito natural e que me cativou. Agora vem uma coisa importante: nunca me atraiu gente indecisa, pessoas que sempre parecem estar jogando xadrez com a vida. Sempre associei esse comportamento a pessoas que não querem se comprometer. Pessoalmente não gosto de gente assim. Veja só, ele não me perguntou se era possível organizar um concerto, mas disse: “devemos organizar um concerto”. Sem dúvida, é um homem decidido e que sabe o que quer.
Como é o gosto musical do Papa atual?
Depois destes dias perto do Romano Pontífice, o que muda em sua vida, pessoalmente e profissionalmente? Que lições aprendeu diretamente do Papa e não gostaria de esquecer jamais?
De que vale a pena abraçar a verdade, sem medo. De que não vale a pena ter uma vida dupla, ou tripla, ser um para algumas pessoas e outro para outras. Não sei explicar, não sei verbalizar. A minha música tem que ser uma consequência desse íntimo ajuste interior. Veja só, quando um pianista, um músico, vai interpretar uma obra, ele tem que ter em mente exatamente aquilo que ele quer transmitir. Caso contrário, o recado não é veiculado. Pois então, o mesmo! Eu me decidi a querer saber, com a maior exatidão possível, o que é que vale a pena, procurar ser coerente e tentar chegar lá. Confesso que depois desse encontro minhas idéias sobre tantas coisas ficaram um pouco abaladas… Esse Papa não tem medo de dizer o que pensa. Admiro isso! O Bento XVI me trouxe um puxão para cima!
Se tivesse que escolher uma música que servisse de resumo (ou uma trilha sonora) destes seus dias vividos perto do Papa, qual seria?
Acredito que todas e cada uma das músicas que interpretei me levam, de modo imediato, a todos aqueles intensos momentos que vivi.