Skip to content Skip to footer

Educação Musical: um desafio possível

Faz não muito tempo participei de divertida conferência sobre o poder nutritivo dos alimentos. De modo natural, e com base científica, racionalizamos o óbvio: mesmo embora tudo possa ser ingerido, nem tudo faz bem. O famoso “junk food” comprovadamente não agrega – com todas as suas variações de frituras, balas e alimentos plásticos – valor nutricional, embora todos nos permitamos a experimentá-los alguma vez. Pois bem, a música é alimento da alma humana e, por ser expressão criativa e sensível, potencializa a criatividade da pessoa e favorece o desenvolvimento afetivo e emocional. 

É interessante verificar que a audição começa a se desenvolver a partir do quarto mês de gestação e, antes mesmo do nascimento, o contato com o “som rítmico” da batida do coração da mãe auxilia o feto a formar-se harmonicamente e a se sentir bem. Esse mesmo “som rítmico” – as batidas do coração da mãe – tranquilizará o bebê quando da presença de estridências ao redor da criança. Suzuki, um exemplo entre muitos outros professores e estudiosos, chegou a comprovar a enorme facilidade com que uma aluna sua de violino, de seis anos de idade, tinha para interpretar as peças que sua mãe havia escutado no período de gestação. Uma mãe gestante comunica-se com o filho pelo tato e, também, pela música. Este fenômeno é conhecido como estimulação precoce.

O cérebro de uma criança ao nascer tem aproximadamente 10 milhões de neurônios, muitos deles ainda não conectados – a grande maioria – e que aguardam um estímulo necessário para que se integrem no circuito cerebral. Sendo cientes de que desde o quarto mês da gestação o feto pode escutar, verifica-se que a música tem influência direta no desenvolvimento da mente através do estímulo auditivo. Não se refere aqui somente ao aspecto físico – o som que incide no ouvido e provoca uma reação psicomotora – mas à provocação de uma ativação e consequente desenvolvimento do pensamento. As estatísticas mostram que, como tendência geral, os bebês expostos à música tendem a ser mais tranqüilos, com um sentido de curiosidade mais aguçado e com inteligência e imaginação mais criativas. 

Sabe-se também que nos três primeiros anos de vida o cérebro desenvolve 50% da sua capacidade. Favorecendo as conexões neuronais estamos, portanto, facilitando a aprendizagem: muitos músicos – como Bach, Mozart, Beethoven – asseguraram que seu amor à música lhes vinha do ambiente altamente musical em que viveram. Não se faz necessário ter um dom especial, um ouvido especial, para que isso seja possível e o que se pode fazer com a música não é somente fruto de uma habilidade inata, mas também dos estímulos que se recebeu. 

Um bebê tem experiências musicais desde que começa a ouvir: algo que cai, a batida do coração da mãe, a música que a mãe escuta antes que ele nasça e o cérebro da criança vai assimilando tudo isso, ao mesmo tempo em que vai se estruturando. Oferecer estridências – ruídos, sons desnorteados embebidos de gritaria – é contribuir à criação da instabilidade e aumentar a insegurança que o bebê sente em relação a um mundo que é completamente desconhecido para ele. Dom Campbell, em sua obra O efeito Mozart para crianças, afirma que a música põe em conexão a parte racional do ser humano com a sua parte emocional. De fato, nos alegramos com a música alegre e protestamos diante da música desagradável.

Outras pesquisas afirmam que a música também tem a capacidade de ampliar a concentração. Verificou-se que a montagem de um quebra-cabeça, com música de fundo, tinha seu rendimento dobrado, o que não ocorria quando se tinha como fundo barulhos de conversa, de TV, de uma lava-roupa etc. Interessante foi a experiência de uma professora, em Madrid, que começou a utilizar música clássica tanto para realizar a troca de conteúdos como para dar algum intervalo entre as atividades e verificou, ao final do terceiro trimestre, que todos os seus alunos permaneciam nos seus locais, serenamente trabalhando, quando havia música clássica, mesmo quando se fazia necessário deixar a sala de aula por alguns breves minutos.

Alguns autores afirmam que os que tocam algum instrumento chegam a ter mais facilidade de manifestar abertamente suas opiniões, pois o treino diário lhes capacita defender um ponto de vista musical e, inconscientemente, um crescimento em autoafirmação, além do aumento da capacidade de concentração, fruto das horas de prática de um instrumento. 

A música clássica não é, portanto, como muitos pensam, música de mero entretenimento, mas de enriquecimento. Em uma sociedade evoluída – onde a família é sua primeira célula – esses dois conceitos costumam caminhar juntos: entretenimento e enriquecimento. Por outro lado, uma sociedade vazia, que preza valores culturais e estéticos que andam em descompasso das verdadeiras aspirações humanas, torna-se cúmplice e responsável pelo que semeia. A música popular – a música de um povo – pode e deve ser questionada quando o resultado de sua absorção desedifica, desumaniza e embrutece. 

A música que se apoia nos clássicos é – no domínio dos sons – o que é a boa literatura é no domínio das palavras: o ouvinte com os ouvidos, sem a necessidade de ter sido alfabetizado em música. Desprezar a chance de ouvir Bach, Mozart, seria o mesmo que proibir a si mesmo a leitura de Shakespeare. O que é preciso para conhecer a música clássica? Começar. Todo o imenso repertório, virtualmente disponível em tantas plataformas digitais, à distância de um mero clique, unido às transmissões por rádio, TV e tantas outras que podem ser presenciadas ao vivo tornam a cada dia mais fácil e acessível o cultivo à verdadeira música. A idéia de se embrenhar neste mundo maravilhoso pode ser, no início, amedrontadora, mas a porta de entrada é tão vasta que ninguém precisa ser “erudito” para ouvir compositores eruditos. O que é necessário é interesse, sem preconceitos.

A filosofia – enquanto ciência – afirma que toda pessoa adulta já teve, alguma vez, a experiência do encontro com coisas belas, com a formosura: uma estória preciosa, uma aula fascinante, uma garota maravilhosa. Todos esses adjetivos retratam o Belo, a Beleza, em seus diversos níveis. O pulchrum – braço filosófico iniciado no século XVIII que busca o aprofundamento e intelecção do Belo – é o primeiro em afirmar a existência de formosuras profundas e ricas, em contraposição a outras, mais de superfície. Estas, designadas pelo termo latino bellus – bonito, encantador – enquanto aquelas pelo termo pulchrum, derivativo do grego polikroon que analisa a harmonia plural do humano. Entre esses dois extremos – o bellus e o pulchrum – há uma grande possibilidade de opções.

Toda música te leva a algum lugar: cabe a você decidir para onde quer ir. Fica o convite.

Leave a comment

Sobre

ArteSalis –
Onde arte e ciência se encontram.

O estúdio-conceito criado por Álvaro Siviero para explorar a intersecção entre a racionalidade científica e a expressividade artística. Aqui, a música é tratada como linguagem universal do pensamento: uma ponte entre o sensível e o inteligível.

Contato

+55 11 92161-7203 

Sign up for Our Newsletter

Alvaro Siviero  © 2025. All rights reserved. – Desenvolvido e Gerenciado por Nobbi